Paciente Zero.

Elas continuam lá. Ecoando e reverberando dentro de mim.
A cada sílaba, uma nota. O terceiro par de costelas está em Fá sustenido e o quinto está em Dó. Me movo e alcanço um acorde, um breve momento de harmonia.
As paredes sangram promessas de amor. E meu tórax se torna um acordeão, ritmando cada golfada de oxigênio. Quatro tempos, uma pausa, quatro tempos novamente. Estou a deriva.
Me movo uma vez mais, minha música começa a tomar forma. Lá está ela novamente, com sua luz prateada envolvendo meu refúgio.
Mas eu não quero ver. Eu não quero ouvir.
No fundo, eles gritam e imploram, seus peitos esmagados pelo peso da auto-piedade diluída em desejos reprimidos e corações insatisfeitos. Seus pulmões afogados em passados incompreensíveis, eles bebem o próprio sal.
Estamos nos medicando novamente;
Dez miligramas de esperança, diretamente na carótida.
Oito de otimismo, via oral.
Seis sorrisos mal interpretados, administrados com cautela.
Os pesadelos terminaram o recesso, a dor voltou das férias forçadas.
O som da caneta, dançando sobre o papel matricial, irrompe minha têmpora direita. Quatro toneladas de tinta preta perfurando três centímetros de cálcio mal formado. Meu destino está selado e meus algozes notificam sua vitória.
Conformismo e medo, delicadamente destilados em uma solução de ódio. A intra-venosa está posicionada e eu sinto o alcatrão queimando seu caminho em direção ao centro.
Finalmente, ele poderá ser ressocializado. Por trás do algodão preventivo eles sorriem. Arcadas inteiras de sonhos despedaçados se mostram visíveis e brilhantes, envoltas no aroma podre e adocicado do éter.
Mas tão logo quanto sua comemoração apressada, sua descrença é triunfante. Eles falharam novamente.
Eu ainda estou aqui.
Eu ainda estou vazio.

Ode ao Eu Vazio.

Éramos para ele, meros manequins de carne. Com movimentos suavizados por entre suas marcações tribais do consumismo indiscriminado, puxados e movidos por tendões invisíveis.
Quando foi que nos tornamos parte dessa massiva onda de estagnação? Empurrando com barrigas no sexto mês.
Cá estamos, os barões das noites sem fim, com nossas lentes lisérgicas, tornando o mundo um espetáculo do inexistente. Carregados por nossas muletas alcoólicas, as quais não nos atrevemos a abrir mão.
Para ele, éramos apenas humanos.
Essa linha de eventos se torna cada vez mais angustiante, repetida mil vezes em memórias que somente se diferenciam quando recordadas.
No mais, somos produto do momento, da situação que nos envolve. Envoltos em orações a deuses mortos, buscando a iluminação interna, sem sabermos que somos frágeis demais para alcançarmos algo maior que o que somos.
Então ele nos observara.
Eventos históricos afogados em contos infundados, nosso conhecimento é o que o ambiente nos mostra, o que o céu nos diz. Talvez você prefira ouvir os elogios de um sol adorado, ou quem sabe os lamúrios de uma chuva torrencial. Mas a névoa com cheiro de burguesia e cigarro sempre estará lá. Ela não irá chamá-lo, ela não lhe oferecerá nada.
Nenhum sussurro para inflamar seu peito, nenhuma adoração reabilitada. Nada.
Mas ele caminhou por entre ela e seguiu rumo ao vazio, o espaço por entre a existência ilimitada do pensar. Ali ele finalmente nos enxergou como somos.
Ali, ele finalmente pode nos compreender, além do materialismo canibalístico original, do carbono refinado pelo tempo.
Em um lugar chamado solidão.

Olho Esquerdo.

Deveria escrever um poema
Um soneto ou
Uma cortesia

Mas algo que tivesse um tema
Que assim ninguém quebraria

Tão fino quanto o sarcasmo
Elegante em seu jeito de ser
Porque é divertido como um teatro
Brincando de saber viver

Na torre o relógio marca seis horas
Já está na hora de partir
Meu trem chega e vou embora
Vou sem me despedir

Talvez seja melhor assim
Do que deixar uma falsa espera
Pena que não verão
O final da minha festa

Porque eu apago a luz
Fecho a porta
Terminou com requinte
Me encontrando na manhã seguinte.

Dose.

Espelho, espelho meu
Tem alguém mais burro do que eu?
Sempre insistindo em querer
Logo aquilo que não posso ter

A história se repete
O caminho só reflete
Uma sensação estranha
Arranhando a minha garganta

Amargo e letal
Destruindo a psique
Pequeno pedaço do mal
Que te dá um novo pique

Mas quando acaba a viagem
Sobra você e o espelho
Desacreditada imagem
Desmanchando como um quadro velho

Uma breve revisada
Na prataria enferrujada
Procurando seu entender

Seria um conto de fadas
Se não fosse trágico
Deixa te chamarem de nada
O desprezo é algo mágico.

Mundo Novo.

Pirulitos viraram cigarros
Refrigerante virou vodka
Escola virou rolê
Feliz virou chapado
Beijos viraram sexo
Brigas viraram mortes
Promessas viraram mentiras
Amizade virou interesse
Amor virou piada.

E eu não podia esperar pra crescer.

Sono.

"Fica com o seu amor, não cabe em mim."


Fim.