O celular tocava, acordei meio torto, tentando encontrar equilíbrio em passos desarranjados. Meus cabelos desgrenhados e o rosto amassado me incriminavam enquanto procurava o maldito celular. Quando finalmente o encontrei, não reconheci o número e atendi. Uma voz feminina procurava por meu nome, mas também não reconheci a autora da ligação desconcertante.
-"Nero? Tudo bem?"
-"Tudo." Respondi meio sem pensar.
-"Lembra de mim?"
-"Não." Assumindo minha culpa.
Ela riu e me disse seu nome, a partir daí não ouvi mais nada, fui tomado por um torpor quase instantâneo. Quase como se o mundo ficasse em preto e branco num momento de tristeza. Chovia bastante.
-"Queria te ver." Ela disse com uma voz doce.
Fiquei completamente paralisado ao telefone, não sabia o que dizer ou omitir, respondi um "Tá" meio fora de ritmo e ela voltou a falar. Era morfina em meus ouvidos, indo diretamente ao cérebro e me apagando completamente, não sabia o que fazer.
Terminada a ligação, horário marcado e fui, passando pelas praias vazias e ouvindo a chuva fuzilando meus vidros e párabrisa até o local marcado. Chegara lá como um pirata à procura do tesouro, contando passos e buscando pelo "X" premiado.
Resolvi acender um cigarro para esperar, sentia frio mesmo com meu casaco e cachecol, sentia-me perdido no meio daqueles que se abrigavam da tormenta, eu simplesmente não me importava com o vento e a chuva, apenas contava os segundos até que ela aparecesse. E ela apareceu.
Olhou feio pro meu cigarro e me pediu pra apagar, raspei no meu lado do banco e guardei no maço, ela relevou. Começamos a conversar coisas da vida, rimos de piadas controversas e lamentamos acontecimentos simplistas, tinhámos o mesmo senso de humor deturpado, éramos quase iguais.
Ela reclamou do frio, tirei meu casaco, que era grosso e quente, e a cobri.
-"E você? Pode pegar alguma doença."
-"Eu tenho meus métodos de me esquentar." Pegando um cantil no bolso interno do casaco, ela desritmou sua respiração com minha aproximação, eu sorri e tomei uma bela golada de vodca russa. Senti descer rasgando minhas entranhas, seguindo de um calor típico.
-"Cuidado para não ficar bêbado." Ela disse rindo.
-"Relaxa, eu não comecei a beber ontem."
De fato, havia um tempo que eu já me acostumara com a bebida, noites e noites procurando meus erros e memórias incompletas ensinaram que ás vezes é mais simples beber até desmaiar.
-"O que te fez me ligar?" Perguntei, dando mais um gole quase intragável no cantil.
-"Não sei, vi seu número e senti saudades." E apertou meu casaco, aconchegando-se mais no linho escuro e surrado.
Fiquei apreensivo e parei pra observar, ela mirava o chão e me analisava, eu, por outro lado, não desviava o olhar de seu rosto, procurando algum sinal. Eu queria qualquer coisa, alguma indicação sobre o que ela queria realmente, não aguentava ficar ali como uma mera companhia para um dia chuvoso. Ficamos em silêncio durante algum tempo, ela me observava sorrateiramente, procurando algo em mim, eu apenas ficava buscando uma resposta que me agradasse nas memórias nebulosas, enquanto as horas passavam como minutos em minha mente.
-"Está tarde, tenho que ir embora." Ela disse meio sem jeito, como se estivesse encabulada.
-"Quer uma carona?" Ofereci olhando para o carro, praticamente lavado pelos céus.
-"Meu namorado não iria gostar." Dando um sorriso descontente.
-"Provavelmente não." E mais um gole extenso.
Ela me devolveu o casaco e não disse mais nada, eu também não. Pronto, havia encontrado minha resposta, finalmente tinha entendido o porque desse "encontro", queria apenas mostrar que ela conseguiu seguir com a vida, enquanto eu apenas deixara claro que continuava o mesmo idiota, agora maculado por vícios. Joguei fora o cigarro que havia apagado, não conseguia tocar nada que lembrasse dela, joguei o casaco no banco de trás e saí, sem rumo. Alguns metros depois toca o celular novamente, atendi irritado.
-"Desculpa."
2 comentários:
Uau!!! Menino você tem o dom de envolver as pessoas nestas tuas histórias.
Ansiosa por mais.
Beijo
Tadinho :/
to supeer ansiosa para saber o resto! *-*
adooreei
beeijo
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