Mais um texto que escrevi em meio a loucura, mais um desabafo, mais um degrau que passei.
Eu só quero o Céu.
Palco.
"Boa noite senhoras e senhores, estamos aqui hoje para contemplar um monstro!"
As cortinas se abriram e lá estava eu, sentado a frente de meus companheiros e sendo encarado pelos progenitores dos mesmos. Um dia fatídico, um dia normal, onde meu sangue fervia e minha cabeça rodava. Pensava nos goles de cerveja e vinho que agora lutavam em meu estômago, oxigênio faltava naquele maldito lugar, talvez uma consequência de meu outro vício, o cigarro. Mas eu gostava de fumar, me sentia satisfeito. Calor maldito, odeio isso, tantas pessoas suando, inclusive eu, o que realmente me incomodava.
Iniciei com um sonoro "Boa Noite!", com uma empolgação que eu não sentia, estava cansado demais para estar satisfeito, mesmo assim fui falso. Fiz então o que já havia planejado, rasguei o discurso pronto. Aquilo não era eu, não era nenhum dos que se sentavam atrás de mim, um pedaço de papel cheio de falcatruas e falso moralismo. As palavras escritas ali eram apenas um modelo das bonecas perfeitas que os pais queriam ver, palavras que já fluiam em suas mentes, agradecimentos forçados e energia da juventude, tudo sem sair dos parâmetros do "aceitável". Porque eu deveria dizer toda aquela ladainha? Decidi ser eu mesmo, usei de sarcasmo, ironia e falei palavras de baixo calão. Eu gosto, e meus amigos também gostaram, afinal, aquilo sim éramos nós. Desabafei.
Disse o que estava preso, limpei minha alma, e as outras que se sentiam livres por minhas palavras improvisadas. Explorei o máximo possível de que meu corpo aguentava, brinquei e ri.
O sorriso entalhado que nunca deu espaço para a tristeza, mas meus olhos gritavam o que eu não podia declarar, pelo menos não naquele momento. Não era o meu momento único, todos estavam com a mesma euforia, queriam ouvir o que somente eu conseguia expressar, que eu, unicamente, tinha a coragem e o sangue frio de dizer. Afinal, não tenho coração.
Dei uma pausa calculada, olhei meus ouvintes, me deliciei com suas expressões de fúria, surpresa, êxtase e , por incrível que pareça, de prazer. Eu não era como os outros, não tinha nada a perder, não queria uma memória fabricada. Eu queria o céu.
Dei continuidade ao que o caos de minha mente me proporcionava, gaguejei, eu estava em um completo turbilhão de idéias e eu queria mais, não somente eu. A voz ficava cada vez mais forte, seu sussuro logo virou um grito, que, quando me dei conta, estava certo.
Me vi novamente frente a frente comigo mesmo, a silhueta preta da qual somente enxergava os olhos. E mais uma vez, estava completo.
Parei de suar, dei um suspiro profundo e deixei a loucura me levar, me sentia livre, estava no meu lugar perfeito e feliz, onde a batida, antes desregulada e nervosa, agora sumira. Queimei o que havia restado do meu coração naquele momento. Todo o amor reprimido, rancor, ódio, tudo o que eu usava para me castigar por meus erros, agora vomitava em palavras que mais pareciam chicotes de fogo, que açoitavam todos aqueles que eu odiava. Logo vieram as lágrimas, não minhas, mas daqueles que sofriam com a minha verdade, minha maneira de ver o mundo. Choro forte, dor intensa, cortes que não fecham. Abri todas as feridas, humilhei e massacrei com prazer aquela que mais amei. Minha nossa, como era bom.
Nunca havia me sentido tão satisfeito, tão livre, o que era pra ser uma despedida, havia se tornado um genocídio. E eu me deliciava cada vez mais, me afogando na maré do passado, e levando comigo tudo o que me fez sofrer. Sim, eu sou um monstro, tentei ser bom, tentei sufocar esse mal dentro de mim, mas meu coração é inorgânico, incapaz de sentir. E deixei isso claro para todos.
Quando terminei, observei que minha platéia, antes revoltada e, ao mesmo tempo, exaltada, agora ansiava por um fim, não aguentaram meu Inferno, imploravam para seus deuses que acabasse logo, ou não conseguiriam mais segurar a si mesmos. Eu me tornara um agente do Caos, minha loucura se espalhava e a sensação de liberdade suprimia a moral e os conceitos pré-formados de ética e regras. Meu palco havia se tornado um deleite proibido, o pecado me rodeava e eu, ali, era o próprio Demônio. Muitos procuraram em mim uma explicação que os mantivesse em sua linha de vida, procuraram Lúcifer em minha alma, mas apenas encontraram uma escuridão sem fim. Mais forte que uma mera crença, muito mais violenta que um mero conceito. Aquilo era um espelho, revelando o que cada um deles lutava para esconder, ali eu era um mágico, que espalhava um evangelho maldito.
Por final, mostrei o destino de todos nós, puxei da calça rasgada meu martelo do julgamento, uma mera pistola, na qual contia apenas duas balas.
"Muito Obrigado e Boa Noite, o espetáculo acaba agora."
Com essas palavras, essa despedida, puxei o gatilho. Senti o chumbo atravessando meu peito e o líquido quente subir na garganta, não consegui conter e senti jorrar pela minha boca. "Que cor linda" pensei, peguei o que sobrou em minha mão e desenhei o sorriso imortal. Levantei com certa dificuldade até acima da orelha, meu peito logo ficou dormente e molhado. Sorri.
Naquele segundo, tudo parou. Vi o horror, o medo e a satisfação de quem observava meu número. Meu circo começou e terminou em uma noite, juntamente com minha vida.
Minhas últimas palavras estão gravadas nas mentes de todos e na lápide em que este corpo jaz.
Não importa quem você é e nem o que você tem. Tudo Queima.
3 comentários:
Senti o peso de suas palavras.
até o bebado e o drogado. infelizmente tudo queima.
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